Vida de Djavan é contada com leveza em espetáculo em que a música reina sobre a dramaturgia de ação tênue
27/06/2025
(Foto: Reprodução) Raphael Elias vive Djavan no musical em escalação acertada que valoriza o espetáculo em cartaz no Teatro Multiplan, no Rio
Janderson Pires / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE MUSICAL DE TEATRO
Título: Djavan – Vidas pra contar
Dramaturgia: Patrícia Andrade e Rodrigo França
Direção: João Fonseca
Direção musical: Fernando Nunes e João Viana
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♬ O espetáculo Djavan – Vidas pra contar segue com leveza a fórmula dos musicais biográficos escritos para teatro, mas com dose mais rala de dramaturgia, engolida pela música aliciante do compositor alagoano.
Entremeados por flashes da vida do artista, os números musicais – não necessariamente conectados por um fio dramatúrgico – moldam e encorpam a cena no palco do Teatro Multiplan, onde o espetáculo idealizado por Gustavo Nunes cumpre temporada no Rio de Janeiro (RJ), de quinta-feira a domingo, antes de partir para São Paulo (SP) para temporada prevista para estrear em 9 de agosto.
Se o resultado é satisfatório, contentando o público-alvo de musicais do gênero, muito se deve à habilidade do diretor João Fonseca para organizar o material oferecido com exemplar fluência cênica. Outra razão do êxito do espetáculo é a escalação de Raphael Elias para dar voz e vida a Djavan no palco.
Pouco exigido como ator, Elias impressiona nos números musicais. Tem-se a sensação de que Djavan está ali, cantando ao vivo músicas como o samba Fato consumado (1975) e a balada Oceano (1989), e isso é fundamental para a credibilidade do espetáculo.
Contida, a emoção do musical está concentrada em cenas como a morte da mãe do artista – a lavadeira Virgínia, bem interpretada pela atriz Marcela Rodrigues – ao som de Pétala (1982). Presença luminosa em cena, Marcela Rodrigues já justifica a escalação quando abre o roteiro musical com o canto de Hino ao amor (1959), versão em português de Hymne à l'amour (Edith Piaf e Marguerite Monnot, 1950), escrita por Odair Marzano (1929 – 2021) e popularizada no Brasil pela voz de Dalva de Oliveira (1917 – 1972).
Todo o drama tênue do primeiro ato está focado na luta de Djavan para, sem dinheiro, sobreviver e se impor como artista – compositor de obra inclassificável que ninguém entendia na indústria da música – enquanto buscava uma chance no Rio de Janeiro (RJ). Essa luta é o pretexto para o canto de músicas como Esquinas (1984).
Como Djavan é uma esfinge em relação à vida pessoal e o musical foi produzido com a chancela do artista, os dramaturgos Patrícia Andrade e Rodrigo França, a rigor, tiveram somente a vida pública do artista para pôr no papel (alguns acontecimentos fundamentais da vida particular estão em cena, mas de forma superficial).
Diante desse cenário, parte do roteiro é ocupada com a exposição de números musicais com os principais intérpretes do cancioneiro de Djavan, numa linha astros em desfile.
O musical omite que Nana Caymmi (1941 – 2025) foi a primeira grande cantora da MPB a dar voz a Djavan, em 1976, ano que gravou Dupla traição no álbum Renascer. Em contrapartida, Maria Bethânia, que batizou álbum de 1978 com a inédita canção Álibi, é destacada em cena, representada por Aline Deluna com traços caricaturais, aos quais o ator Tom Karabachian também recorre para personificar Caetano Veloso, mais nos diálogos do artista com Djavan do que no dueto com Raphael Elias em Sina (1982), música gravada por Caetano.
Entre personagens como João Araújo (1935 – 2013), diretor da gravadora Som Livre que abriu a primeira porta para Djavan, Gab Lara interpreta Chico Buarque, com quem Djavan foi à Cuba e a Angola em 1980, pretexto para o canto de Luanda (1981).
Ninguém vive Roberto Carlos, cantor que ganhou de Djavan a canção A ilha (1980), que tem trecho cantado por Raphael Elias. Já Gal Costa (1945 – 2022), intérprete de músicas como Azul (1982), é bem caracterizada por Walerie Gondim na fase Tropical, em aparição sedutora que culmina com a exposição de foto da Gal real no alto do cenário, recurso para atiçar a emoção do espectador.
Na seara sentimental de Djavan, o musical expõe o elo permanente do cantor com a primeira mulher, Aparecida, vivida por Eline Porto. A separação do casal ao som de Meu bem querer (1980) é outro número com certa dose de emoção. Já atual mulher do artista, Rafaela, surge em cena no momento em que conheceu Djavan, mote para o canto da apaixonada canção Um amor puro (1999).
Enfim, depois que Djavan alcança o merecido sucesso, a ação (já rala) se dissolve no segundo ato. Contudo, um elo – o da espiritualidade, representada em cena pela entidade afro-brasileira Elegbara, personagem de Milton Filho – conecta todo o enredo do espetáculo, encerrado com Lilás (1984) e o samba Flor-de-lis (1976), números que cumprem a compreensível função de barzinho karaokê no musical, tal como o canto deslocado de Se... (1992) na abertura do segundo ato.
E todo mundo gosta. Faz parte do show e da fórmula dos musicais biográficos seguida com competência – e uma trivial direção musical de Fernando Nunes e João Viana – por Djavan – Vidas pra contar.
Walerie Gondim sobressai no elenco coadjuvante do musical 'Djavan – Vidas pra contar' ao aparecer como Gal Costa (1945 – 2022)
Ariel Santos / Divulgação